terça-feira, agosto 17, 2004

sem título

Estava sentado no banco de jardim a fazer um apanhado do que tinham sido aqueles ultimos anos. Não gostava de o fazer. Sabia que se ia magoar, sem necessidade. Mas era importante chegar a uma conclusão. Boa, má, o que fosse. Só queria compreender como tinha ali chegado.

O que fazia dele essa pessoa tão pouco interessante, para a própria vida passar por ele sem reparar. Era isso. Não era importante para ninguém. Nunca o fora realmente.
As pessoas passavam por ele e nem reparavam, era invisível. Podia dizer o que quisesse, podia fazer o que lhe apetecia. Nunca era relevante.
Claro que tinha conhecidos... amigos... tinha tudo isso. Podia contar com eles... mas eles não tinham a solução para os seus problemas. Nem conselhos (válidos) eles tinham. Diziam apenas que ele devia mudar. Devia correr atrás da sua felicidade.
Ele já sabia toda a conversa de cor... e sentia-se injustiçado. Farto de correr atrás da sua felicidade estava ele. E sempre a mesma resposta. Sempre o mesmo final.
Não podia culpar ninguém directamente. Podia culpar tudo e todos, no fundo ele sabia que culpasse quem culpasse, em última análise só haveria um culpado, um perdedor.
Queria que Deus lhe respondesse o porquê de estar assim. Que mal tinha feito ele? Pensou em rezar (and I will go down on my knees), pedir-Lhe para que Ele olhasse para ele (and pray the best that I can). Uma vez... só por uma vez (I want you to be near). Lembrou-se de uma frase que lera já não sabia onde: Rezar é pedir a Deus que 2 + 2 não sejam 4.
Não sabia a equação certa para fazer dele um vencedor. Se algum dia a soube, estava perdida no passado.

Decidiu começar pelo principio. As pessoas têm a tendência para apenas relembrar tudo aquilo que é bom, apagar tudo o que é mau, o que as fez sofrer. Ele não era excepção. Tudo o que tinha ficado para trás eram recordações, de pessoas, de lugares, de momentos. Tudo tinha sido bom. Até o mau era bom.

As datas passavam-lhe pela cabeça (3 de Outubro, 10 de Dezembro, 8 de Abril, 25 de Fevereiro, 4 de Agosto, 8 de Junho, 17 de Novembro) e ele lembrava-se de ser feliz nesses dias. Podia estar errado (e estava), mas era a ideia que tinha.
Onde é que tinha falhado? Na maioria dos casos não sabia. Era um sinal evidente que a culpa era dele. Não tinha o que era preciso. Era mestre da ilusão sem nunca o querer ter sido. Dava uma imagem que não era a dele. Não chegava para o quererem. Nunca chegava.
Atraía-o o que era diferente dele. O que ele não podia ter. O que não podia ser. Tinha sido sempre assim. E como era diferente daquilo que se sentia atraído, acabava sempre por errar.
Era essa a conclusão a que tinha chegado. A inicial. A que não queria ver. Não era atraente, não era sedutor, não era interessante, não era...
E era o que mais lhe custava... não ser...

Ao seu lado passou um casal de namorados. Ele era mais novo do que ele, um amigo. Ela era (tinha sido?) uma amiga também. Uma daquelas que todos querem ter como amiga. Ele (para variar) caiu no erro de querer mais. Foi aí que a perdeu...
Não o viram (invisível). Podia ter acenado, podia ter chamado pelo nome de cada um deles. Não o fez. Não valia a pena. Eles estavam felizes e não precisavam de alguém para estragar esse momento. Ele esboçou um sorriso (dois felizes em três, já era positivo).

Levantou-se. Saiu do parque. Ao atravessar a estrada não reparou (não quis reparar) que se aproximava um automóvel. No último instante olhou para a pessoa que conduzia o carro... e sorriu.


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