quarta-feira, janeiro 19, 2005

cabelos brancos

Invisível.
Silenciosa.
É assim que passa o dia.
De vez em quando tenta trepar. Já sabe que não resulta. Não resulta. Não resulta. Repete até à exaustão. Está lá. Vive.
Algumas vezes consegue subir a barreira e ficar a olhar para baixo. Ultimamente cada vez menos. Devo estar a ficar velha, pensa. Sente-se ultrapassada. Sente que pertence a outro tempo. Um tempo onde era fácil trepar. A barreira era mais pequena. Muito pequena. Tão pequenina. Era tão fácil...
E o tempo passou, e a barreira foi crescendo. E ela nunca se preocupou em acompanha-la. Nunca reparou que cada dia que passava era mais difícil escala-la. Com maior ou menor dificuldade conseguia, e todo aquele império era seu, pelo tempo que quisesse.
Enquanto lá estava em cima ditava ordens a tudo. Eram obrigados a obedecer-lhe. Era a regra do jogo. A única regra que existia. Quem está em cima da muralha manda, ordena, impera. Quando se fartava, descia. Amanhã há mais, pensava.
Nunca deu real importância aos outros mais pequenos que com ela tentavam subir. Eram demasiados jovens. Não tinham velocidade, não tinham agilidade. Era fácil afasta-los do caminho.
Agora demora cada vez mais a subir. Cansa-se mais depressa. Amaldiçoa as pernas que lhe doem. Almadiçoa o tabaco que faz com que os pulmões lhe queiram sair pela boca. Amaldiçoa as mãos que parecem mais fracas e que fazem com que os dedos não tenham a força necessária para se agarrar. Chega por vezes a chorar de raiva e impotência.
Hoje não foi.
Limita-se a olhar para cima e pensa no tempo perdido.



Dedicado ao miúdo que hoje partiu.
Descansa Pedro.

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